terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A POLÉMICA ELEIÇÃO DE RAUL QUERIDO VARELA AO CARGO DE JUIZ CONSELHEIRO DO STJ II - CONTRADITANDO A OPINIO IURIS DE VIRGÍLIO RODRIGUES BRANDÃO

M.I. Dr. Virgílio Brandão, felicito-lhe pela forma cordial e elegante como apresentou a seu parecer jurídico, apresentando fortes argumentos em defesa da sua tese, tratando a questão num plano estritamente jurídico e não político, como alguns têm feito.

Agradeço-lhe o contraditório, pois isso nos permite esmiuçar argumentos a favor das nossas teses e abrir um debate sério e despido de cores políticas sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ). Como referiu, e bem, pesa sobre nós a responsabilidade intelectual de esclarecer o público. Não pretendemos ser donos da verdade, apenas dar a nossa singela contribuição.
Não vou elaborar um parecer, nem ser muito exaustivo, apenas vou desenvolver um aspecto em que estamos em total desacordo.

No artigo, e apesar de por vezes ter usado apenas a expressão “Juízes”, pretendi tratar apenas da questão dos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). De resto, no programa 180.º na RTC, afirmei que de facto o artigo 31.º da Lei nº 102/IV/93, de 31 de Dezembro (Lei Geral) é aplicável aos Juízes de Comarca, não se aplicando, no entanto, em se tratando dos Juízes Conselheiros do STJ. Esta é, em síntese, a minha posição, que passarei a explanar.

Pelo que, estamos de acordo em, pelo menos, três pontos: (i) a iniciativa do Dr. Júlio Martins, Procurador Geral da República, é de aplaudir; (ii) esta questão não é de ordem política mas sim jurídica; e (iii) o artigo 31.º Lei Geral é aplicável aos Juízes de Comarca.

Comecemos pela sua referência ao artigo 72.º do EMJ como base de um juízo limiar de improcedência da minha opinião.
Estabelece o referido artigo que:
«É aplicável subsidiariamente aos Magistrados Judiciais, em tudo que se referir à matéria administrativa e disciplinar o regime jurídico da Função Pública.»

Ora, teria razão o M.I. Dr. Virgílio Brandão se este artigo fosse um regime subsidiário para tudo o que não estiver regulado no EMJ. M.I. Dr. Virgílio Brandão, este artigo apenas se refere à matéria administrativa e disciplinar. Tão somente isso. Em tudo o resto, só se aplica o regime jurídico da Função Pública, quando existir uma remissão expressa no EMJ. A Lei faz esta remissão expressa, pelo menos, 10 vezes, o que demonstra que o legislador não pretendeu estabelecer no artigo 72.º todo o regime da função pública como regime subsidiário, mas apenas em matéria administrativa e disciplinar, pois se fosse essa a pretensão, não faria sentido as remissões que encontramos no EMJ.

Nenhum dos Capítulos do EMJ se refere à matéria administrativa e disciplinar dos magistrados judiciais, ao contrário do que acontece com a nomeação e eleição, previstas no Capítulo II. Esta opção deixa claro que o legislador não considera a eleição dos Juízes do STJ como matéria administrativa, como não podia deixar de ser. Pois, com efeito, os Juízes dispõem de um estatuto próprio, apenas lhes sendo aplicáveis os aspectos do regime da função pública que o EMJ lhes mande aplicar, e só desses.

Uma vez que o EMJ não regula as matérias administrativas e disciplinar dos Juízes, remete num único artigo para Lei Geral. Nas outras questões, faz remissões quando entendeu que se deve aplicar o regime da função pública. Se não o fez em relação à da eleição dos Juízes do STJ e fê-lo em relação aos Juízes de Comarca, é porque entendeu que, em relação à eleição, só a estes últimos é aplicável o regime de função pública. Nota-se ainda que, o artigo 72.º refere a matéria administrativa e disciplinar da competência do Conselho Superior de Magistratura. Pois, nos termos do artigo 47.º do EMJ, é a este órgão que compete a gestão e disciplina da Magistratura Judicial. O Raul Querido Valera foi eleito pela Assembleia Nacional, estando a sua eleição completamente fora do alcance deste artigo. Pelo que não procede o argumento de que o artigo 72.º manda aplicar, subsidiariamente, o regime da função pública em matéria de eleição dos Juízes do STJ.

Passemos ao Capítulo II do EMJ que trata da designação, eleição e nomeação dos magistrados judiciais.

A lei faz distinção entre Juízes do STJ (artigo 8.º) e Juízes de Comarca (artigo 10.º). Estes, nos termos do referido artigo, são nomeados pelo Conselho Superior de Magistratura precedendo concurso.

O artigo 11.º trata do ingresso de magistratura dos Juízes de Comarca, que será sempre dependente da aprovação em concurso organizado pelo Conselho Superior de Magistratura (artigo 11.º n.º 1 e). A alínea f) do mesmo artigo diz ainda que, o juiz tem de satisfazer os demais requisitos na Lei para a nomeação dos funcionários públicos. Perante esta diferença de regime, fica claro que o artigo 11.º não é aplicável aos Juízes do STJ.

O Capítulo VII vem regular a suspensão, cessação de funções e aposentação. Ai, mais uma vez, o EMJ faz a distinção entre Juízes de Comarca (artigo 42.º) e Juízes do STJ (artigo 43.). Neste ponto, a lei vem dizer que os Magistrados Judiciais (entenda-se Juízes de Comarca) cessam funções no dia que a lei prevê para a aposentação dos funcionários públicos (neste caso, este artigo deixa claro que o limite de idade de 65 anos se aplica aos Juízes de Comarca). Esta interpretação também resulta do artigo 11 n.º 1 f)). Estamos de acordo neste ponto. Contudo não entendo que este artigo se aplique aos Juízes do STJ, já que o EMJ vem regular, no artigo 43º, o caso dos Juízes do STJ, em especial.

Com efeito, para diferenciar, a lei dedica o artigo 43.º exclusivamente aos Juízes do STJ. Estabelece o artigo 43.º do EMJ, o seguinte:
1. Excepto nos casos de termo do mandato, as funções de Juízes de STJ só podem cessar se ocorrer alguns dos seguintes factos:
a) Morte ou impossibilidade física permanente;
b) Renúncia;
c) Demissão ou aposentação compulsiva em consequência de processo disciplinar ou criminal;
d) Aceitação de lugar ou cargo que seja constitucionalmente ou legalmente incompatível com o exercício das suas funções.

Este artigo está em conformidade com o artigo 290.º n.º 5 da Constituição da República de Cabo Verde (CRCV), com a seguinte redacção:

Excepto nos casos de termo de mandato, as funções dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça designados nos termos do presente artigo só podem cessar por ocorrência de:
a) Morte ou incapacidade física ou psíquica permanente e inabilitante;
b) Renúncia declarada por escrito ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
c) Demissão ou aposentação compulsiva em consequência de processo disciplinar ou criminal;
d) Investidura em cargo ou exercício de actividade incompatíveis com o exercício das suas funções, nos termos da Constituição ou da lei.

Lendo este artigo, fica claro que a CRCV proíbe a cessação de funções dos Juízes do STJ, por outros motivos, que não sejam os enumerados no artigo 290.º n.º 5. Ou seja, um Juiz de STJ nunca cessará as suas funções com a justificação de que já completou 65 anos. Logo, também a Assembleia Nacional não poderá deixar de eleger um Juiz porque já completou 65 anos.

Com isso, o EMJ distingue os juízes do STJ dos Juízes de Comarca quanto à designação, eleição e, bem assim, quanto à cessação de funções. Para os juízes de Comarca o EMJ estabelece como requisito a satisfação dos requisitos estabelecidos na Lei para a nomeação dos funcionários públicos. No que diz respeito à cessação de funções, diz o EMJ que os Juízes de Comarca cessam funções no dia em que a lei prevê para a aposentação dos funcionários públicos.

Quanto à eleição dos Juízes do STJ e quanto à cessação da função dos mesmos, o EMJ não faz qualquer referência a idade ou outros requisitos para os funcionários públicos. O EMJ é clara nesta distinção, não se trata de lacuna ou aplicação subsidiária de uma outra Lei. Trata-se de uma opção clara do legislador em não estabelecer qualquer condicionalismo de idade, respeitando assim o artigo 290.º n.º 5 da CRCV, que também exclui a idade como causa de cessação de funções.

Creio que este é o principal ponto em que estamos em desacordo, o que faz toda a diferença. O M.I. Dr. Virgílio Brandão trata da mesma forma e estabelece o mesmo regime para o Juízes de Comarca e os Juízes do STJ. Não foi esta a opção dos EMJ. Alguns outros pontos do seu parecer mereciam o meu comentário, contudo, para um melhor esclarecimento do público, decidi cingir ao ponto fulcral.

Como vê, M.I. Dr. Virgílio Brandão, pode-se apelidar esta questão de “controvérsia jurídica”. Basta ver os inúmeros argumentos que usa para rebater a minha tese. Os argumentos ora apresentados têm sustentação na CRCV e no EMJ, pelo que não se pode considerar que a questão seja tão evidente e clara.

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